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Torto Arado

Torto Arado
Lethicia Roberta Barros Gonçalves
Nov. 21 - 5 min read
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“Tudo foi se tingindo de vermelho e segui o rastro do rio de sangue que corria, não se sabia de onde”.

A trama se passa na Fazenda Água Negra, no Sertão da Bahia. Nela vivem trabalhadores descendentes de uma escravidão abolida muito no papel e pouco no cotidiano – realidade que perdura até hoje em diversas regiões do Brasil. E é a história dessas trabalhadoras e desses trabalhadores que o livro apresenta.

A narrativa é composta por três vozes femininas: as irmãs Bibiana e Belonísia, e de uma entidade encantada – Santa Rita Pescadeira, se manifesta no corpo de Miúda, se trata de uma divindade que foi sepultada, porque os rios foram contaminados por mercúrio. Essas vozes expressam memórias coletivas e atribuladas de desigualdade raciais, socias, de gênero, e também evocam as resistências ancestrais dos povos quilombolas, suas lutas e ligações com a terra.

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Assim que completamos a leitura descobrimos também que a Santa Rita Pescadeira incorporou o corpo das duas irmãs em diferentes momentos, sem que elas mesmas percebessem e armou, ao mesmo tempo, o assassinato do fazendeiro que representava a opressão. Vale dizer, que as irmãs, ainda mais interligadas funcionam como um instrumento, como bem explicitado no livro “foram o cavalo”, em um momento que a Santa já estava cansada de assistir tantos sofrimentos e resolve agir.

Apresenta uma relação de membros entre a mesma família, portanto, uma narrativa familiar. As duas irmãs que se unem com o pacto inicial, o elo de sangue, quando as duas – uma mais que a outra –, se mutilam com a faca de Donana. Percebemos a construção de uma cena marcante logo no início do livro (Torto Arado, pág. 9) “Quando retirei a faca da mala de roupas, embrulhada em um pedaço de tecido antigo encardido com nódoas escuras e um nó no meio, tinha pouco mais de sete anos. Minha irmã, Belonísia, que estava comigo, era mais nova um ano.”

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Esse acontecimento se assemelha com a ideia das consequências dos erros, em que temos a punição de Belonísia silenciada para o resto do mundo, e de uma certa forma cria a necessidade de Bibiana se tornar a voz de sua irmã, e, ainda, assume a responsabilidade de dar voz a comunidade junto com Severo; líderes políticos, na tentativa de ensinar essa população suas histórias, origens e a conscientização a respeito de seus direitos que ao longo dos séculos foram ignorados.

Temos uma população ignorada pelas autoridades, que sofre preconceito da sociedade, isto é marcante, a crítica social. Nos fazendo refletir sobre a invisibilidade do povo de Água Negra, e a transformação metafórica da perda da voz não ser só de Belonísia, como também, do seu povo.

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A narrativa traz os descendentes diretos de pessoas escravizadas e trata este ponto crítico em relação de como foi dada essa “libertação”. Sem direitos, sem a preocupação de integrá-los efetivamente na sociedade, e, diferente de toda a sociedade não migraram para as cidades, permanecendo, assim, nos campos, a visão do povo unido à terra, a terra que os "pariu”.

O livro conta de forma muito rica a construção de um Brasil sobre o sangue de seus filhos; um país que que se formou com o sacrifício de homens e mulheres escravizados.

Com um simbolismo marcante vemos a narrativa de Itamar Vieira Junior nos imergir na tradição cultural do sertão brasileiro. O texto entrega uma história forte e reflexiva, em que temos ainda no começo uma tragédia compartilhada entre as duas irmãs e vemos a ligação desse cordão umbilical, uma aproximação singular, quando uma se torna a voz da outra, enxergamos diante desse episódio uma metáfora em relação a representação de um povo, em que assume a voz não só da irmã, como da sua comunidade. 

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Notamos a mistura de crenças, lendas, religião, trabalho análogo à escravidão, seca, sofrimento, violência, gratidão, escravidão, ancestralidade, e, principalmente, um amor pela terra.

Desvelador ao ponto de nos fazer pensar a relação com as disputas de terras. Temos a concepção de um campo do qual devemos respostas, viemos dele e usamos dele. O pensamento moderno de quem sempre morou em cidades se desconstrói na medida que lemos a obra, uma vez que passamos pelo processo de conhecer sujeitos que pingam o seu suor em terras alheias, ao mesmo tempo que vibram por cada pedacinho que “ganhou”; a terra é alimento, é dela que sai todo o seu sustento.

Comovente, Torto Arado nos entrega tudo que desejamos. Trabalha com maestria problemas que são pertinentes, e, ao mesmo tempo, nos faz questionar que mesmo com o passar dos anos vivenciamos, ainda, essas mazelas que deixam marcas na alma.

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