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Estudantes e profissionais das artes também têm coração!

Estudantes e profissionais das artes também têm coração!
Matthæus Braga
Aug. 9 - 4 min read
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Alerta de spoiler: nos últimos parágrafos acontece um desabafo.

"A arte existe porque a vida não basta" 

— Ferreira Gullar

Passaram-se três anos, caramba. Eu tinha uns 18 anos e tinha acabado de descobrir que havia, inesperadamente, passado para cursar Cinema e Audiovisual na Universidade Federal Fluminense, um sonho de anos. Tinha pego um ônibus na Central do Brasil que ia para Niterói, uma cidade que eu só lembrava que tinha visitado em passeios pontuais de família, e que não sabia mais nada. Uma niteroiense simpática passou a viagem comigo tagarelando e tentando me aconselhar a chegar ao campus pra fazer a matrícula, até perguntar pra qual curso eu tinha passado.

— Cinema. — Respondi, disfarçando o orgulho.

— Nossa! Existe esse curso? — A moça realmente tava surpresa.

Depois que assenti, ela me cobriu com centenas de perguntas e exclamações do tipo: "esse curso é meio período?", "são só dois anos, né?", "nossa! eu iria morrer sem saber disso!". Até que perguntou qual era a pontuação pra passar em Cinema, e eu fui categórico quando disse que a nota necessária beirava os 800 pontos, o mesmo pra direito e determinados cursos da área médica na mesma universidade.

— Então por que você não tentou direito? 

Isso me deixou realmente bravo, e eu não pude evitar fazer uma cara feia. Não era um teste de paciência, nem uma trollagem, a mulher era de fato leiga o suficiente para não saber que o mercado das artes e da comunicação são repletas de áreas que necessitam de graduação específica, tal como a medicina, a engenharia, e tantas outras profissões que guardam suas especificidades. Mas por que os cursos de humanas, sobretudo aqueles voltados para a área artística, são tão subjugados? O curso de Cinema e Audiovisual é um curso integral de 4 anos, isso na maioria das instituições. E mesmo que fosse em período parcial e 2 anos, isso não o torna menos essencial ou denso. O da UFF, onde tenho propriedade pra falar, existe há mais de 50 anos, é declarado patrimônio da cidade de Niterói, e foi fundado por Nelson Pereira dos Santos, apenas um dos cineastas mais importantes do nosso cinema, quiçá audiovisual. E isso é o mesmo para outros cursos do mesmo campus: jornalismo, publicidade e propaganda, artes e estudos de mídia, excelentes graduações com importância social inegável.

O que eu pretendo falando essas coisas? Bom, eu quero que tenhamos mais noção quando tocamos em um assunto delicado como o mercado das artes no geral. Sempre dizem que estou sendo radical quando comparo a importância de um artista com a de um médico, mas estabelecendo esse tipo de contraposição — que é esdrúxula, todos sabem —,  eu tento propor uma reflexão a respeito da importância da arte nas nossas vidas, e em como ela está presente. Desde os memes, até a literatura mais erudita, acredito que ninguém consiga (por mais que tente) viver alheia a arte. Em momentos de crise, como agora, menos ainda. 24 horas, até nossos sonhos são alimentados pelo que consumimos na televisão, cinema, internet.

Querendo ou não, não acredito que receberemos o devido reconhecimento então cedo. Não estou sendo pessimista, eu simplesmente estou olhando pra frente: tínhamos um ministério, sobrou uma secretaria, e pro audiovisual, uma SUBsecretaria, que é um titanic na melhor das hipóteses (tirando a pompa e o requinte que a famosa embarcação tinha). Editais públicos sob cortes e com projetos sobre minorias e inclusão sendo vetados,  sucateamento geral nos poucos equipamentos públicos (o CTAv e as federais agonizam), emissoras de televisão que batem a porta na nossa cara se não temos um sobrenome, e isso tudo me deixa pensando. 

Todo santo dia eu deito minha cabeça no travesseiro e reflito se não estou a bordo de um titanic. Se não vou acabar com um canudo embaixo do braço e um viaduto como teto. É chato, é desgastante. Tento afastar pra longe esses pensamentos, em meu próprio bem, em bem da arte e da comunicação. Mas não é fácil. Não quando a falta de reconhecimento e respeito parte do brasileiro médio, cuja atitude legitima as ações do governo contra nós.

Estamos sofrendo, mas continuaremos gritando.


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