Já dizia o velho ditado: quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra. Errar é humano e completamente normal, afinal quem nunca cometeu um deslize, disse ou fez algo errado ou até mesmo julgou alguém precipitadamente? Como gosto de reforçar aqui frequentemente, nada nem ninguém é perfeito, e talvez essa seja a grande graça da vida, pois da mesma forma que todos estamos sujeitos aos erros, também podemos aprender com eles.
O problema é quando nos acostumamos com a automaticidade das coisas e com certa superficialidade promovida parcialmente pelas redes sociais, onde as fotos são perfeitas e todos vivemos a vida que sonhamos, e essa falsa ideia de perfeição acaba de algum jeito, transpassando e afetando o senso crítico das pessoas na chamada vida real. Resumidamente estou falando da cultura do cancelamento, um termo recente, que diz respeito a uma espécie de linchamento virtual, que ocorre com frequência nas redes sociais, sobretudo no Twitter.
É fácil notar isso. Nem é preciso cometer algum erro grave, muitas vezes, basta discordar a respeito de algo ou mesmo expressar uma opinião pessoal - e aqui não estou falando de comentários de conteúdo preconceituoso dos quais as pessoas usam da liberdade de expressão para disseminar ódio, desinformação e ofensas gratuitas - mas do simples ato de fazer um comentário, para ser logo “cancelado” por alguém, seja você famoso ou anônimo.
A impressão que se tem é que pelo menos no mundo virtual, o cancelamento corresponde a marginalizar as pessoas, excluindo-as de qualquer capacidade de diálogo ou retórica, e expondo-as muitas vezes a ataques pessoais. Tudo se resume pura e simplesmente ao julgamento.
Seguindo mais ou menos essa linha de raciocínio, que A Mentira, filme de 2010, estrelado por Emma Stone, faz uma crítica ao linchamento moral e a hipocrisia, com um tom cômico e pitadas de sarcasmo.
No longa, acompanhamos as consequências na vida da protagonista Olive Penderghast, uma estudante que após mentir sobre a perda de sua virgindade, vê toda a sua vida virar de cabeça para baixo, ao ter sua reputação completamente distorcida pelos colegas de escola. Sendo rotulada como vulgar e promíscua por todos os lados, Olive decide usar de sua nova popularidade para ajudar outros alunos, que como ela, são excluídos e buscam alguma ascensão dentro do ambiente escolar, essa situação no entanto, logo foge de seu controle.
O filme, contando com uma narrativa ágil - com direito as mais diversas referências desde o clássico A Letra Escarlate até os filmes de John Hughes - e uma personagem principal muito carismática - mérito de Emma Stone, perfeita no papel - usa de clichês já batidos de filmes do gênero, ao mesmo tempo que é capaz de desconstruí-los. Olive por exemplo, é a clássica garota excluída e meio nerd, mas ao contrário da maioria das protagonistas de histórias high school, é também forte, sarcástica e sabe responder a maioria das provocações com desenvoltura. Destaque também para Amanda Bynes, no papel da vilã Marianne.
A discussão do filme se estende para questões mais profundas, como os danos que um simples boato pode provocar na reputação de alguém, homofobia, preconceito, machismo, bullying, uso da religião para propagar discurso de ódio, mas principalmente, a hipocrisia ao se julgar alguém que não conhecemos.
À medida que o filme avança e a reputação de Olive fica cada vez mais deteriorada, vemos também a máscara de outros personagens caindo, reforçando mais uma vez, que ninguém é isento de falhas ou defeitos, e aqueles que apontam o dedo indiscriminadamente, são os que mais tem a esconder.
Assim como o linchamento moral aparente no filme, o cancelamento virtual também possui raízes e consequências muito mais complexas, mas a lição que fica é uma só: aquilo que sabemos a respeito do outro, nunca será suficiente, e por isso mesmo, ninguém tem o direito de julgar - tampouco cancelar - ninguém.
A Mentira está disponível na íntegra no YouTube.
Referências:
- Todos os GIFs presentes neste texto foram retirados do Pinterest.